segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

O último sorriso

Estava ali parado, quieto, observando a briga dentro da casa. Barulhos estranhos surgiam a todo momento, mas ele não compreendia qual era o problema. Ouviu seu nome. Ele entrou na casa mais que depressa e percebeu que a casa já não estava como antes, cacos de vidro por todo lado e sangue espalhado pelo chão. Alguns móveis estavam quebrados e outros apenas fora do lugar. Ouviu novamente gritos e encontrou Laura ali, deitada entre os cacos de vidro. O sangue vinha dela. Ao se aproximar dela, a viu sorrir, um sorriso melancólico, como se fosse o ultimo que ela daria.
Ficou observando por alguns instantes o sorriso de Laura ao vê-lo, ela estava feliz com a sua presença, ele se aproximou e ela mandou que se afastasse. Ao se afastar ela gritou novamente, era um grito de dor e só então ele percebeu a presença de Gustavo ali, com uma cadeira em suas mãos ameaçando Laura.
Ele não entendeu, nunca tinha visto aquilo. Os dois eram sempre carinhosos com ele e entre eles também. Sempre abraçados, trocando caricias e beijos, mas desta vez não havia amor ali. Apenas ódio. O olhar de Gustavo estava diferente, algo que ele nunca vira antes. Era um olhar doentio, de quem tinha ódio e vontade de matar.
Entrou em desespero. Laura não deixava ele se aproximar, mas ele não poderia ficar escondido vendo-a morrer. Ele precisava agir, mas como?
Saiu pela porta da frente que estava aberta e deu a volta na casa. No meio do caminho Laura gritou novamente. E desta vez mais alto, um grito mais sofrido, seguido de um barulho ensurdecedor.
Voltou correndo pela porta da frente e desta vez havia pedaços de cadeira envolta de Laura. Chegou mais perto e ouviu Gustavo gritando e batendo no corpo dela. Não podia ver aquilo sem fazer nada. Laura estava ferida e Gustavo parecia querer feri-la mais. Enquanto sentia os tapas de Gustavo, Laura olhou para ele novamente, estampou aquele mesmo sorriso e fechou os olhos. Gustavo levantou e saiu bufando pela porta da frente.
Ele se aproximou de Laura, ela ainda sorria, mas seus olhos estavam fechados. Ele a cheirou, cutucou com seu focinho e lambeu seu rosto, mas Laura não abria os olhos. Começou a sentir agonia. Deitou ali, ao lado de Laura e lá ficou durante alguns minutos até que Laura abriu os olhos novamente com muito esforço. Ele se levantou para olhá-la. Ela sorriu e tentou lhe fazer carinho com as mãos ensangüentadas. Beijou seu rosto e sussurrou com muito esforço um "eu te amo".
Mais uma vez seus olhos se fecharam, mas desta vez o sorriso desapareceu.
Ele se deitou novamente ao lado de Laura e ficou desta vez durante horas e nada. Laura havia partido. E a última visão que tivera fora de seu cachorro ali, mais fiel que nunca, lhe fazendo companhia enquanto ela ia embora.

2 comentários:

  1. Nossa, que texto lindo Flavinha. Muito perspicaz essa sua proposta do personagem ser desnudado, pouco a pouco. Quando ele entra e vê Laura no chão e vê o Gustavo voltar para agredi-la, fiquei agoniada, fui acompanhando a história pensando: o que ele fará? Por que o agressor não o vê? Não reage contra ele? Então descubro que é um cão e percebo a consistência e a fragilidade daquela presença que se tornou a última companhia de Laura. Adorei!Estou gostando cada vez mais dos seus escritos. Beijinhos.

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  2. Gostei muito do seu conto, fiquei intrigada até o fim com aquela imagem sem reação de quem estava vendo aquela cena.
    Escreva mais. Beijo

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